Chá e metafísica
As sementes de coentro nadam no meu chá. Giram, rodopiam, se atraem e se repelem, se batem e afundam na espiral que se forma enquanto mexo com a colher a minha beberagem pós-prandial tingida de amarelo.
Uma certa vez li em um dos Upanisad, que cada ser nesse
mundo é como um vórtice de energia que se consolida em matéria e que somos pedaços do Universo experimentando a si mesmo. Como pequenos redemoinhos que vão se formando
em uma grande piscina e que durante aquela breve experiência redemoinhesca se
esquecem de que são todos a mesma água. Como
pequenas ondas que se comparam e se trombam, se engolem e se aniquilam, esquecendo que são
todas partes do mesmo oceano e que no final, tudo termina em água.
Em uma lenda indiana, Indra, deus do Ar, das Estações e do Firmamento, senhor das nuvens, das chuvas e dos relâmpagos, resolveu ter uma experiência terrena. Queria aproveitar o prazer dos sentidos e como bobo não é escolheu encarnar na cá na Terra no corpo de um porco que, segundo dizem, tem o orgasmo de trinta minutos, o maior da natureza em duração.
A lenda segue e o tal do Indra arruma uma esposa porca, tem diversos filhotinhos porcos e fica tão absorto nos seus afazeres e em sua família terrena que simplesmente esquece de que é um deus. Seus subordinados vendo aquilo ficam estarrecidos e resolvem descer a Terra para lembrar Indra de que ele era um deus e que seu reino necessitava de seu comando. Mas Indra ficou revoltadíssimo. Como se atreviam? Ele estava muito bem com sua esposa porca e seus porquinhos que dele precisavam. Tolos que eles eram, não tinham a menor ideia de como era boa essa vida suína.
Cansados de insistir, os subordinados de Indra mataram um a um os filhotes porquinhos. E como o deus colérico permaneceu irredutível em sua intenção de permanecer na pele do porco, foram lá e mataram também sua esposa. Indra se enfureceu e bradou que arrumaria outra esposa e teria três vezes mais filhotes. Foi quando lhe deceparam a cabeça. Atordoado, logo após abandonar o corpo do animal que jazia ensanguentado no chão, Indra olhou para a toda a cena e riu-se de estar tão absorto naquela vida de porco e ter se esquecido de quem realmente era e qual era o seu lugar.
Confesso que quando li senti um certo revirar no estômago. Mas as lendas são carregadas de simbolismos e é preciso ultrapassar a estranheza para absorver qualquer sabedoria que elas porventura carreguem. As vezes nos pegamos tão absortos em nossos problemas que não conseguimos uma visão mais ampla que nos permita soluciona-los. Todos nós já estivemos perdidos no olho do furacão e anos depois, ao analisar friamente a situação, conseguimos ver claramente a saída. Olhando por esse prisma a lenda faz muito sentido e os indianos não me parecem tão loucos quanto eu pensava.
E se eles não estiverem de todo errados? E se não passarmos de ondas no mar? Pequenos redemoinhos de água? Sementes de coentro rodopiando em círculos dentro de uma xícara de chá?
Ah, mas o coentro não é chá, você pode até argumentar. As ondas são água, os redemoinhos são água. Mas o coentro não pode ser chá!
E como não? Quem foi que tingiu a água então? E a água lá não se tornou chá exatamente por causa do coentro que boia? Pois eu prefiro encerrar a querela dizendo que sou coentro. E que também sou a água que ele tingiu. Sou chá e sou coentro. Quiçá sou a xícara. Sou conteúdo e continente. Vácuo e matéria.
E onde está a metafísica nisso? Bem, é que agora depois de toda essa prosa
sem sentido sobre deuses hindus e espirais feitas de coentro, me pego pensando em
quem diabos teria mexido o maldito chá para começo de conversa?
Mas sou, mais uma vez, salva pela notificação da minha
Alexa, que anuncia o final do horário de almoço. Não há metafísica que sobreviva a uma boa chinelada
da senhora rotina.
Comentários
Postar um comentário